La Primavera,
de Sandro Botticelli - 1480

Um Talismã contra a
Melancolia

- Douglas Balila -




Contar as flores da primavera, é como contar as estrelas do céu ou as areias do mar, é tentar o impossível

- Ovídio - 

O quadro La Primavera,
de Sandro Botticelli, 1480, representa a alegoria da chegada da Primavera.


A história do quadro é a seguinte:

Em torno de 1460, o médico Marsílio Ficino convida Cosimo de Médicis para traduzir o Corpus Hermeticum de Hermes Trimegisto, que havia sido trazido da Grécia para Florença. Inspirado por esta obra, Ficino escreveu seu Livro da Vida, dedicado ao seu amigo Lorenzo de Médicis e a todos os estudiosos e pessoas dotados da tendência à melancolia, influenciada por Saturno, o planeta da contemplação que governa o temperamento melancólico e que se opunha às janela vitais da juventude.

À época de Ficino, concebia-se que quatro eram os temperamentos que caracterizavam os homens - sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico -, que determinavam os laços de simpatia e antipatia entre eles e os demais seres do mundo. Por isso, Ficino recomendava aos seus pacientes estudiosos que evitassem plantas, animais, minerais, núcleos, aromas e alimentos pertencentes a Saturno e que buscassem contato com tudo o que pertencesse aos planetas doadores de luz e vida e seus acompanhantes protetores, como o Sol e Vênus, por exemplo: ouro, prata , rosas, violetas, passeios por campos verdejantes, canela, limão, laranja, hortelã, cravo, mel, maçã e, sobretudo, o vinho.

Além desses remédios Ficino também recomendava o uso de talismãs, objetos capazes de promover a atração e a simpatia das energias protetoras e compensadoras do universo, tais como, pedras, jóias, ervas, etc., a sede da vida, e deste modo considerava que podia equilibrar e harmonizar o temperamento do indivíduo, que, por algum, motivo estava “destemperado”.

O talismã também podia ser uma escultura ou uma pintura colocada num recinto silencioso da casa, onde deveria ser longamente contemplado pelo menos uma vez por dia.

Deste modo, para o seu amigo Lorenzo de Médicis, Ficino encomendou a um “fazedor de imagens” um talismã contra a melancolia, e foi assim que ele encomendou a Sandro Botticelli um quadro para curar a melancolia, e este criou o quadro La Primavera.


As figuras do quadro estão organizadas como:

O local da cena é um bosque de laranjeiras cheias de frutos representando a fertilidade. Naquela época, a laranja era denominada a "maçã medicinal", uma fruta considerada um remédio para os melancólicos, visto que a sua forma e cor eram semelhantes ao sol.

Ao centro da imagem está Vênus, a deusa do amor e da beleza que entre os gregos era chamada Afrodite, entre os egípcios era chamada Ísis e entre os babilônios era Ishtar.

Vênus é senhora do jardim, observa e controla a cena com ar despreocupado de quem tudo sabe e com nada se preocupa.

Vênus representava o princípio agregador da natureza e por isso até as flores e os animais a celebravam, pois todos reconheciam que este princípio agregador é o que leva a tudo perdurar, pois a agregação favorece a duração da vida.

Acima da cabeça de Vênus, há um garotinho nu e de olhos vendados, armado com arco e flecha, trata-se do Cupido, deus do amor, filho de Vênus. Na imagem, o Cupido se prepara para lançar uma flecha de amor numa das três moças que estão dançando ao lado esquerdo de Vênus.

A três moças são as Três Graças, filhas de Zeus e Eurímene, damas de companhia de Vênus, e que nesta imagem celebram com uma dança a chegada da Primavera. A graça mais à esquerda é Aglaia, a sensualidade, a do centro é Eufrosina, a alegria, e a direita é Tália, a beleza.

Cupido flecha com setas de amor os corações livres de tal sentimento. Cupido é um garoto que flecha de amor o coração de quem a mãe ordena, mas, desobediente, à vezes faz por conta. Quem é atingido pela seta de amor do Cupido, se apaixona perdidamente pelo primeiro que vê, não importa quem, pois o amor é cego. 

Enfim, juntos, Vênus, o Cupido e as Três Graças surgem para avivar os campos fustigados pelo inverno, iniciando a primavera ao semearem flores, beleza e atração entre todos os seres.

À direita há uma figura feminina em movimento de fuga, é Clóris, de onde clorofila - seiva vital das plantas. Clóris é uma ninfa das ilhas afortunadas e representa a potência da natureza nos campos, potência que faz florir as árvores e preside “tudo o que floresce”.

Pelo mito, num dia de primavera, Clóris errava pelos campos, quando o deus do vento, Zéfiro - figura masculina atrás dela -, ao ver Clóris pela primeira vez, foi subitamente tomado por grande paixão, e passou a persegui-la, raptando-a e tomando-a a força como sua mulher.

Zéfiro personifica o vento primitivamente violento que destruía com o seu sopro indomável as plantações e provocava naufrágios, causando grandes danos aos homens.

Zéfiro penetra o jardim e avança contra a ninfa Clóris, porém, o seu sopro é tão violento que chega a envergar as árvores e, com a mesma violência raptou Clóris no jardim, ele representa o vento violento que impedia o despontar das flores, pois arrancava seus botões antes de darem lugar às flores e lhes permitir crescerem.

Mas, o amor de Zéfiro é sincero, pleno e construtivo e, arrependido do rapto, reconhece a violência do seu ato, transforma sua natureza impetuosa e destrutiva, e se converte em vento mais brando, regular e benéfico, e passa a soprar mais leve para não danificar as flores.

Assim, Zéfiro harmoniza seu relacionamento com Clóris e a desposa em público, e como presente de casamento e por amor, concede à Clóris o domínio sobre a primavera e o reinar sobre as flores.

A partir daí Clóris sofre uma metamorfose e passa a ser chamada de Flora, deusa da primavera - figura feminina à frente de Clóris -, representando esta metamorfose.

Flora, a deusa das flores, representa o momento da primavera em que se manifesta a potência dos campos, marca o momento em que Clóris se transforma e se manifesta como um jardim de flores - uma Flora -, adornando assim o mundo com flores e seus núcleos e perfumes, preparando o momento em que darão néctar e frutos (no quadro há cerca de 500 flores).

Por isso Flora traja roupas floridas e espalha flores pelos campos. Flora é a única figura da obra a olhar direto para o observador, como se fosse atirar as flores para além paisagem, colorindo com flores, deste modo, a quem contempla a obra - pela lenda, o mel é um presente que Flora ofertou aos homens.

O contraste entre Zéfiro, Clóris e Flora reflete o alcance de equilíbrio da natureza.

O vento suave não destrói as flores, pelo contrário, leva o seu pólen fazendo com que elas fecundem e renasçam.

À esquerda, Hermes, deus da coragem e da inteligência.

Hermes aparece dissipando algumas nuvens escuras que se aproximam do jardim, utilizando o seu caduceu, com o qual dissipa as nuvens escuras que avançam em direção a Vênus e ameaçam a luz da primavera.

Pela lenda, Hermes separou com seu caduceu duas serpentes em luta, e a partir daí o seu caduceu se tornou símbolo da paz.

O caduceu é um bastão onde estão representadas as duas serpentes, que simbolizam as forças contrárias em equilíbrio e, na ponta do caduceu existe um par de asas que representa a ascese espiritual.

Deste modo, afastando as nuvens de Vênus, Hermes se torna o protetor do jardim, onde não deve existir nenhuma nuvem escura ou perturbação, onde deve reinar a paz eterna.

A coragem de Hermes está ilustrada pela presença da espada à cintura, mostrando que ele seria capaz de proteger o jardim e repelir os inimigos e invasores que tentassem penetrá-lo.

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